Frederico Augusto de Almeida Ferreira
Pós-graduado
http://lattes.cnpq.br/4603737618328910
fredericoferreira21@gmail.com
RESUMO: O artigo aborda a imunidade tributária concedida aos templos de qualquer culto, bem como sua extensão e aplicabilidade prática.
Palavras-chave: imunidade; templo; religiosa.
APRESENTAÇÃO
As denominadas “Limitações ao Poder de Tributar” se encontram na atual Constituição da Re- pública de 1988, insertas na Seção II do Capítulo I do Título VI e dentre tais hipóteses ali elencadas se encontra a “Imunidade dos Templos de Qualquer Culto”, prevista no art. 150,VI, b e que será objeto do presente estudo.
Tal imunidade abrange os impostos e, neste estudo, se buscará abordar de forma sucinta e didática tal instituto na tentativa de aclarar eventuais dúvidas, bem como demonstrar sua aplicação, com base na doutrina e entendimento jurisprudencial sobre o tema.
- DA ORIGEM HISTÓRICA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA AOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
Não obstante às Constituições Brasileiras de 1891, 1934 e 1937, de forma velada, tangenciarem a imunidade, quando vedavam a União e os Estados de subvencionar ou embaraçar o exercício dos cultos religiosos, foi a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, a primeira que, de forma expressa, previu a imunidade tributária dos templos de qualquer culto quando o art. 31, V, “b” de tal Carta Magna assim dispôs:
Art 31 – A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
. . . omissis . . .
V – lançar impostos sobre:
. . . omissis . . .
b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins;
Deste modo, buscou-se preservar que a já existente garantia constitucional de liberdade de culto e de crença não fosse tolhida ou obstaculizada com a criação e incidência de impostos sobre os templos, sendo, portanto, verdadeira materialização do princípio da liberdade de organização religiosa.
Após a Constituição de 1946, as demais mantiveram tal previsão, pois a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, expressa- mente assim regulou:
Art 20 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
. . . omissis . . .
III – criar imposto sobre:
. . . omissis . . .
b) templos de qualquer culto;
De relevo destacar que muito embora mantida a imunidade tributária dos Templos de Qualquer Culto, a então Lei Ápice retirou a condicionante antes existente, qual seja, “desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins”, tornando, por- tanto, tal instituto ainda mais abrangente e absoluto.
A Atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 regrou a imunidade dos Templos de Qualquer Culto no art. 150, VI, “b” e § 4º, conforme abaixo:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
. . . omissis . . .
VI – instituir impostos sobre:
. . . omissis . . .
b) templos de qualquer culto;
. . . omissis . . .
4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.
Observe-se que houve a inserção do §4º condicionando tal imunidade às atividades finalísticas da instituição, bem como, de forma expressa, reconhecendo que a imunidade aplica-se ao patrimônio, renda e serviços.
Assim, restou claro que “templo” não significa somente o local ou construção, mas sim a própria instituição, conforme será mais detida- mente abordado posteriormente.
- DO INSTITUTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA (E SUA DISTINÇÃO ENTRE A ISENÇÃO, NÃO INCIDÊNCIA E ALÍQUOTA ZERO)
Antes de se adentrar à Imunidade Tributária dos Templos Religiosos, patente que se entenda no que consiste o instituto da Imunidade Tributária.
A imunidade tributária pode ser entendida como uma limitação prevista na Constituição ao poder do Estado de tributar e, via de regra, assim o é para garantir e preservar outros direitos também constitucionalmente garantidos, tais como educação, assistência social, religiosos, dentre outros.
Na lição do doutrinador Luciano Amaro
O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expres- são, etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capa- cidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independente da existência dessa capacidade, a não tributabilidade das pessoas ou situações imunes1.
Retira-se do Estado o poder de instituir e cobrar determinado tributo sobre fatos, atos ou sujeitos, mesmo que estejam estes dentro da- queles que, a princípio, a tributação seria permitida.
O Eminente Doutrinador Ives Gandra da Silva Martins ensina que “na imunidade, não há nem o nascimento da obrigação fiscal e nem do consequente crédito, em face da sua substância fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional”2.
Para Aliomar Baleeiro a imunidades seriam “disposição da lei maior que vedam ao legislador ordinário decretar impostos sobre certas pessoas, matérias ou fatos, enfim, situações que define. Será inconstitucional a lei que desafar imunidades fiscais”.3
Alguns doutrinadores entendem ainda, ser a imunidade uma hipótese de não incidência qualificada constitucionalmente, não penso, porém, ser essa a melhor definição.
No atual texto constitucional as mais importantes hipóteses de imunidades do sistema tributário encontram-se dispostas no art. 150 e, aplicáveis aos impostos (espécie do gênero tributos), sendo certo, contudo, que existem outros dispositivos na Constituição da República de 1988 que também se traduzem em imunidade seja de impostos ou outros tributos.
Importante que se observe que a imunidade possui origem constitucional, sempre advém da Lei Maior, não se confundindo, portanto, com a isenção, a não incidência ou mesmo a alíquota zero.
A isenção se mostra presente em legislação infraconstitucional, originária do ente tributante e em relação ao tributo de sua competência. Isenção seria a exclusão, através de lei, da hipótese de incidência tributária, mesmo havendo o fato gerador, nos exatos moldes do que disciplina o art. 175 do Código Tributário Nacional:
“Art. 175. Excluem o crédito tributário:
I – a isenção;”
Tal entendimento, inclusive, é o adotado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do Julgamento da ADI nº 286 da relatoria do Ministro Maurício Corrêa, assim ementada:
ADI 286 – Órgão julgador: Tribunal Pleno – Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA – Julgamento: 22/05/2002 – Publicação: 30/08/2002
Ementa
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 268, DE 2 DE ABRIL DE 1990, DO ESTADO DE RONDÔ- NIA, QUE ACRESCENTOU INCISO AO ARTIGO 4º DA LEI 223/89. INICIATIVA PARLAMENTAR. NÃO-INCIDÊNCIA DO ICMS INSTITUÍDA COMO ISENÇÃO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA: INEXISTÊNCIA. EXIGÊNCIA DE CONVÊ- NIO ENTRE OS ESTADOS E O DISTRITO FEDERAL. 1. A reserva de iniciativa do Poder Executivo para tratar de matéria tributária prevista no artigo 61, § 1º, inciso II, letra “b”, da Constituição Federal, diz respeito apenas aos Territórios Federais. Precedentes. 2. A não-incidência do tributo equivale a todas as situações de fato não contempladas pela regra jurídica da tributação e decorre da abrangência ditada pela própria norma. 3. A isenção é a dispensa do pagamento de um tributo devido em face da ocorrência de seu fato gerador. Constitui exceção ins- tituída por lei à regra jurídica da tributação. 4. A norma legal impugnada concede verdadeira isenção do ICMS, sob o disfarce de não-incidência. 5. O artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, só admite a concessão de isenções, incenti- vos e benefícios fscais por deliberação dos Estados e do Distrito Federal, mediante convênio. Precedentes. Ação julgada procedente, para declarar inconstitucional o inciso VI do artigo 4º da Lei 223, de 02 de abril de 1990, introduzido pela Lei 268, de 02 de abril de 1990, ambas do Estado de Rondônia.4 (grifei)
Importante se observar que existem entendimentos outros sobre a natureza jurídica da isenção, com relevante controvérsia, o que porém não será objeto do presente estudo para que não se fuja ao escopo pretendido.
Já o instituto da não incidência tributária, basicamente se re- sumiria, de uma maneira simplória e pouco aprofundada, na hipótese de não ocorrer a tributação pela simples ausência de previsão legal para sua incidência. Ou seja, a legislação não prevê a incidência de tributação sobre determinado fato ou operação.
Existem correntes que dividem a não incidência em simples e qualificadas, porém, da mesma forma que a isenção acima, tais minúcias e divergências doutrinárias não serão objeto de abordagem no presente es- tudo, podendo, entretanto, sê-lo em outro dedicado somente a tais temas.
A denominada alíquota zero, por outro lado, na lição de Hugo de Brito Machado vem a ser uma forma de fugir ao princípio da legalidade, uma vez que a isenção somente pode ser concedida por lei e que, sendo a alíquota uma expressão matemática que indica número de vezes, que a parte está contida no todo. A expressão alíquota zero encerraria uma contradição em seus próprios termos porque zero não indica nú- mero algum, uma vez que zero não é expressão de parte.5
Em resumo, o tributo existe, o fato gerador ocorre e há o cálculo do tributo, porém, por ser zerada a alíquota, o valor a pagar, também o será.
- DA ABRANGÊNCIA E DEFINIÇÃO DE TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
Conforme alhures citado, a Imunidade Tributária concedida aos Templos de Qualquer Culto se encontra no art. 150, VI, “b” e § 4º da Constituição da República de 1988, já acima transcrito.
Muito se discutiu e, ainda se discute, sobre qual seria a abrangência e a definição de “Templos de Qualquer Culto”, no dispositivo constitucional em comento.
Tal definição se mostra de extrema importância no campo tributário, uma vez que se trata da linha de largada, do marco para que se aplique ou não a imunidade.
Segundo o dicionário Michaelis6, dentre outros significados, templo seria:
- Na Roma antiga, local elevado e descoberto, consagrado pelos áugures, destinado às atividades sagradas.
- Edifício público construído em honra de uma ou mais divindades.
- Edifício onde se realiza culto religioso.
Partindo-se de tal definição e através de uma interpretação puramente literal, poderia se chegar à conclusão de que somente os locais destinados às atividades sagradas, de realização de cultos ou honras a divindades seriam objeto da imunidade constitucional.
Contudo, dentre as formas de interpretação das leis existentes a literal isolada é a mais pobre e desprovida de significado, e, deste modo, sua aplicação deve ser efetuada em conjunto com as demais técnicas de interpretação, mormente a teleológica e a histórico evolutiva (interpretação progressiva).
Assim sendo, para se chegar ao real significado e abrangência da expressão “templos de Qualquer Culto” para o Direito Tributário, patente que se faça uso de todos os meios de interpretações das leis disponíveis.
O Professor Eduardo Sabbag, quando da análise de tal questão menciona que o legislador constituinte
[…] tendeu a prestigiar a teoria moderna, na esteira de uma interpretação ampliativa, pelos seguintes motivos: (a) por tratar, textualmente, do vocábulo entidade, chancelando a adoção da concepção do templo-entidade; (b) por se referir a ‘rendas e ser- viços’, e, como é sabido, o templo, em si, não os possui, mas, sim, a ‘entidade’ que o mantém; (c) por mencionar algo relacionado com a finalidade essencial — e não esta em si —, o que vai ao encontro da concepção menos restritiva do conceito de ‘templo’.7
E assim deve ser, uma vez que, a imunidade conferida aos templos de qualquer culto possui raízes nos Princípios Constitucionais da liberdade religiosa e de culto, anteriores inclusive ao Próprio princípio da Imunidade Tributária Constitucional objeto do presente estudo.
A análise do §4º do art. 150, VI, “b” da Constituição da República de 1988, permite claramente ter a certeza de que o legislador constituinte, quando da vedação a se instituir impostos sobre os templos, na verdade, vislumbrou o “templo-instituição” e não de forma simplória somente o local onde se celebram os cultos.
Tanto é assim, que para Flávio Campos, “Somente o conceito de templo-entidade permite, assim, que se compreenda adequadamente o art. 150, VI, b, com sua conjunção necessária, que é o parágrafo 4º do mesmo dispositivo constitucional”.8
E de outra forma não poderia ser, pois do contrário, não se atingiria o objetivo finalístico, qual seja garantir o pleno exercício da liber- dade religiosa e de culto.
- DA EXTENSÃO DA IMUNIDADE DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
Uma vez esclarecida a definição e abrangência de Templo de Qual- quer Culto, como sendo, em verdade, a própria instituição religiosa, se passa a analisar a extensão da imunidade tributária concedia aos mesmos.
A imunidade tributária concedida teve o principal objetivo de impedir que se criassem embaraços à liberdade religiosa e de cultos.
Deste modo, para que se garanta o pleno exercício de tais princípios constitucionais, que integram as cláusulas pétreas do ordenamento constitucional, a extensão a ser dada à imunidade tributária deve ser a mais ampla e abrangente possível, evitando-se subjetividades bem como embaraços e limitações injustificadas, sendo certo que tal entendimento advém da própria letra da Lei Ápice de 1988, especificamente o §4º do art. 150, VI, b, já acima transcrito.
O §4º se mostra claro quando de forma expressa menciona aplicar-se a imunidade ao “patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.
Portanto, a integralidade do patrimônio das entidades religiosas e em sentido amplo vinculado às atividades finalísticas das mesmas, de- vem ser objeto da aplicabilidade da imunidade tributária.
Importante que se observe que tal interpretação abrangente é entendimento pacificado na jurisprudência pátria, englobando, por exemplo, imóveis de propriedade das entidades religiosas que se encontrem alugados, sendo a renda de tal locação revertida para suas atividades. No caso, tal imóvel estaria abrangido, por exemplo, pela imunidade de pagamento do IPTU.
Deste modo, inclusive se posicionou o Colendo Supremo Tribunal Federal, quando da edição da Súmula Vinculante 52, no seguinte sentido: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o
imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas”.9
Muito embora reportada Súmula faça menção às entidades contidas na alínea “c”, o entendimento e aplicabilidade, por analogia, também deve ser feito às entidades contidas na alínea “b”, quais sejam templos de qualquer culto.
Inclusive, esse entendimento já vinha sendo o utilizado do Tribunal Constitucional, conforme abaixo:
EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, CF, deve abranger não somente os prédios destina- dos ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido. (RE 325822, Relator(a): ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2002, DJ 14- 05-2004 PP-00042 EMENT VOL-02151-02 PP-00246).10 (grifei)
Outro ponto em que havia discussão quanto à aplicabilidade da imunidade seria em relação a imóveis vagos, porém, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal de forma acertada, a meu sentir, decidiu por sua aplicabilidade, uma vez que o simples fato de não estar construído templo (prédio), por si só não se mostra hábil para afastar tal aplicação.
O entendimento acima se mostra de maneira cristalina quando do julgamento do ARE n° 658.080/2011 AgR/SP, de relatoria do Eminente Ministro LUIZ FUX:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ENTIDADE ASSISTENCIAL. IMÓVEL VAGO. IRRELE- VÂNCIA. JURISPRUDÊNCIA DO STF. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO DESPROVIDO. 1. A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF alcança todos os bens das entidades assistenciais de que cuida o referido dispositivo constitucional. 2. Deveras, o acórdão recorrido decidiu em conformidade com o entendimento firmado por esta Suprema Corte, no sentido de se conferir a máxima efetividade ao art. 150, VI, “b” e “c”, da CF, revogando a concessão da imunidade tributária ali prevista somente quando há provas de que a utilização dos bens imóveis abrangidos pela imunidade tributária são estranhas àquelas consideradas essenciais para as suas finalidades. Precedentes: RE 325.822, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.05.2004 e AI 447.855, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJ de 6.10.06. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “Ação declaratória de inexistência de relação jurídica. Sentença de improcedência. Alegada nulidade por falta de intimação/intervenção do Ministério Público. Ausência de interesse público. Art. 82, III, CPC. IPTU. Imunidade. Decisão administrativa. Entidade de caráter religioso. Reconhecimento da imunidade, com desoneração do IPTU/2009. O imposto predial do exercício anterior (2008), no entanto, continuou a ser cobrado pela Municipalidade, por considerar estarem vagos os lotes na época do fato gerador (janeiro/2008). Comprovação da destinação dos imóveis para os fins essenciais da igreja – construção de seu primeiro templo. Inteligência do art. 150, VI e § 4º, da CF. Dá-se provimento ao recurso. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.”11
Trecho importante e esclarecedor sobre o tema se mostra no bojo de tal decisão, conforme abaixo:
O caso dos autos cinge-se em saber qual o momento em que um bem imóvel de propriedade de entidade religiosa passará a estar abrangido pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “b”, da CF. A tese da parte agravante funda-se no entendimento de que somente no momento da aprovação do projeto de construção do templo religioso é que será possível depreender a utilização do imóvel para as finalidades essenciais de assistência e religião, nos termos do § 4º do art. 150, da CF. Contudo, tal entendimento está em confronto com a matriz jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte, que em diversas ocasiões já se pronunciou no sentido de garantir a máxima efetividade à imunidade tributária prevista na Constituição para tais entidades, dada a natureza dos serviços prestados à sociedade, que merecem todo o apoio do Estado, cuja finalidade compreende a diminuição das desigualdades sociais. Com esse escopo, não há que se restringir a concessão da referida imunidade ao momento da aprovação de qualquer projeto, isso porque o mesmo pode sofrer atrasos por diversas razões, que vão desde a viabilidade financeira para construção do templo como a demora decorrente dos trâmites burocráticos necessários para sua aprovação. Destarte, configura-se razoável desumir que a partir do momento da aquisição do bem imóvel pela entidade assistencial ou religiosa, esse estará coberto pelo manto da imunidade tributária, sendo certo ainda que somente após a comprovação posterior da utilização diversa do imóvel, para fins não essenciais à atividade assistencial, educacional e/ou religiosa, autorizará a revogação da referida imunidade tributária. À guisa exemplificativa da interpretação conferida por esta Corte ao § 4º do art. 150, da CF, cito os seguintes precedentes: (…) a imunidade prevista no art. 150, VI, ‘b’, da CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. (RE325.822/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.05.2004).12 (grifei)
De relevo que se observe que os julgados acima trazem situações de imunidade de IPTU uma vez que trataram da incidência de tal tributo aos imóveis. Porém a imunidade prevista no art. 150, VI, b, § 4º da Constituição da República de 1988, aplica-se a todos os impostos incidentes sobre o patrimônio das entidades nele mencionadas, sejam eles de natureza direta ou indireta. O Eminente Professor e Doutrinador Paulo Caliendo, em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, assim entende:
A concepção templo atividade entende que a imunidade se es- tende aos templos entendidos como o conjunto de práticas e atividades dirigidas à realização do culto. Nessa compreensão a imunidade se dirige ao conjunto de bens que viabilizam direta ou indiretamente a prática do culto, incluindo não somente o imóvel aonde está situado o templo, mas também outros imóveis de suporte ao exercício religioso: residência do ministro de confissão, centro de ensino religioso, centro de práticas e reflexões eclesiásticas e os veículos utilizados para este fim (avião, automóvel etc.). Em suma, nesta tese a imunidade se identifica com o actus, ou seja, como se exercita o direito fundamental à liberdade religiosa por meio do culto.13 (grifei)
A título ilustrativo, mister transcrever recente decisão prolatada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sobre o reconhecimento e aplicabilidade do Imposto sobre Circulação de Mercado- rias e Serviços – ICMS, conforme abaixo decidido:
REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – ENTIDADE RELIGIOSA – IMPORTAÇÃO DE Entidade religiosa, sem fins lucrativos – Imunidade tributária – Possibilidade – O direito à imunidade tributária de templos de qualquer culto compreendem o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas, alcança o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre as operações de importação de mercadorias – Aplicação do artigo 150, VI, b e 4º da Constituição Federal, que abrange os tributos que incidem sobre bens a serem utilizados na prestação de suas finalidades essenciais. Bens importados que se relacionam às suas finalidades essenciais e que não são destinados ao comércio – Precedentes deste Tribu- nal e do STF – Existência de direito líquido e certo – Compete à Administração tributária demonstrar a eventual tredestinação do bem gravado pela imunidade. Sentença concessiva mantida. Reexame necessário não provido.TJ-SP – Remessa Necessária Cível: 10024401720208260562 SP 1002440- 17.2020.8.26.0562, Relator: Leonel Costa, Data de Julgamento: 17/10/2020, 8ª Câmara de Direito Público, licação: 17/10/2020).14
Da leitura das decisões acima, o que se tem é que, eventual intenção do fisco de se restringir a aplicação da imunidade a patrimônio de entidade religiosa deve ser precedida de prova cabal de desvio de finalidade dos bens, ou seja, deve o ente tributante comprovar de forma irrefutável que determinado bem não está sendo utilizado (de forma direta ou indireta) para as atividades finalísticas da entidade.
Portanto, há presunção de vinculação às atividades finalísticas da entidade religiosa e somente pode ser afastada, mediante comprovação irrefutável de eventual tredestinação.
Recentemente, mais especificamente em 17 de fevereiro de 2022, por força da Emenda Constitucional nº 116/2022, foi criado o §1º-A ao art. 156 da Constituição da República de 1988, com a seguinte redação:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
. . . omissis . . .
I – propriedade predial e territorial urbana;
. . . omissis . . .
1º-A O imposto previsto no inciso I do caput deste artigo não incide sobre templos de qualquer culto, ainda que as entidades abrangidas pela imunidade de que trata a alínea “b” do inciso VI do caput do art. 150 desta Constituição sejam apenas locatárias do bem imóvel.
Apesar de fora da Seção destinada às Limitações ao Poder de Tributar (do mesmo modo que outras várias existentes na Lei Magna de 1988) criou verdadeira norma de imunização, excluindo do alcance da tributação dos Municípios os imóveis locados por entidades religiosas.
Antes de sua criação, alguns municípios através de sua legislação própria (em geral Lei Orgânica ou Código Tributário Municipal), isentavam do pagamento de IPTU imóveis ocupados por templos religiosos.
Dito isso, mister se destacar que, com frequência, os entes tributantes, no afã de arrecadar e afastar a aplicação da imunidade tributária, alegam que o regramento contido no art. 150, VI, b da Constituição da República de 1988, deveria ser aplicado, porém caso as entidades religiosas preenchessem os requisitos constantes do art. 14 da Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), que assim disciplina:
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001) II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.
Contudo, a invocação de tal dispositivo se mostra incorreta e inapropriada, pois, conforme mesmo expressamente mencionado no caput do art. 14, a exigência e cumprimento de tais requisitos diz respeito às entidades contidas na alínea c do inciso IV do artigo 9º, quais sejam “partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhado- res, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo”.
Portanto, não são aplicáveis aos templos de qualquer culto, inseridas na alínea b do inciso IV de tal art. 9º, conforme abaixo:
Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
. . . omissis . . .
IV – cobrar imposto sobre:
a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; (Redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 2001)
d) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.
- CONCLUSÃO
O presente estudo teve como objetivo trazer luz sobre a extensão da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, como o intuito de demonstrar a evolução de tal instituto e o entendimento mais moderno sobre o tema, de vez que, com o passar do tempo, novas situações e novos entendimentos foram surgindo.
Por outro lado, teve ainda a intenção/o propósito de elucidar sobre a aplicabilidade da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, demonstrando que a mesma deve ser a mais ampla e extensiva possível, de modo a garantir o exercício dos direitos e garantias fundamentais e individuais da população constitucionalmente garantidos, dentre eles a liberdade religiosa e de culto.
- 1 AMARO, Direito Tributário Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva Edu- cação, 2021. p 177.
- 2 MARTINS, Ives Gandra da Sistema tributário na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 152.
- 3 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 283.
- 4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 286/ RO – Rondônia. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 286, de 2 de abril de 1990, do estado de Rondônia, que acrescentou inciso ao artigo 4º da Lei 223/89 […]. Relator: Min. Maurício Corrêa, 22 de maio de 2002. Disponível em: https:// jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur99388/false. Acesso em: 3 jun. 2022.
- 5 MACHADO, Hugo de Curso de Direito Tributário. 29. ed. Editora Malheiros. 2008. p. 138/139.
- 6 MICHAELIS on [S. l.]: Editora Melhoramentos, 2015.
- 7 SABBAG, Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 330.
- 8 CAMPOS, Flávio. Imunidade Tributária na prestação de serviços por templos de qualquer Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, Oliveira Richa – Comércio e Serviços, v. 54, mar. 2000. p. 50.
- 9 Disponível em: https://wstf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?- sumula=2610. Acesso em: 7 jun. 2022.
- 10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 325822. Recurso extraordinário. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. […]. Relator: Min. Ilmar Galvão, 18 de dezembro de 2002. Disponível em: https://jurispruden- cia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22RE%20325822%22&ba- se=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_sco- re&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 7 jun. 2022.
- 11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo. Relator: Min. Luiz Fux, 15 de fevereiro de 2012. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/ processos/detalhe.asp?incidente=4144641. Acesso em: 7 jun. 2022.
- 12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo. Relator: Min. Luiz Fux, 15 de fevereiro de 2012. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/ processos/detalhe.asp?incidente=4144641. Acesso em: 7 jun. 2022.
- 13 CALIENDO, Paulo; BOHN, Ana Cecília Elvas. Imunidade tributária de templos de qualquer culto: algumas notas sobre as recentes decisões no Interesse Pú- blico – IP, Belo Horizonte, ano 17, n. 89, p. 214-216, jan./fev. 2015.
- 14 Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do;jsessionid=989C5D2826C- cposg5?conversationId=&paginaConsulta=0&- cbPesquisa=NUMPROC&numeroDigitoAnoUnifcado=1002440-17.2020&foro- NumeroUnifcado=0562&dePesquisaNuUnifcado=1002440-17.2020.8.26.0562&- dePesquisaNuUnificado=UNIFICADO&dePesquisa=&tipoNuProcesso=UNI- FICADO#?cdDocumento=17. Acesso em: 7 jun. 2022.
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